Um dia, ela desejou fazer uma viagem.
Disseram-lhe que seguir o caminho da Poesia era caminhar em direcção ao Paraíso. Durante vários dias, meditou sobre esse itinerário.
Pouco sabia desse trilho e desse Paraíso. Perguntou então onde podia encontrar o caminho da Poesia. Disseram-lhe que procurasse o bosque dos salgueiros debruçados sobre o rio, e seguisse um atalho juncado de folhas avermelhadas. Nele, encontraria gravado em cada árvore um pequeno poema. Devia segui-lo, ao longo da margem, em direcção à montanha. O Paraíso estaria onde os seus sentidos o vislumbrassem. Porém, quando se deparasse com ele, jamais poderia revelar o que os seus olhos vissem.
Pareceu-lhe aliciante esta promessa de idílio e de mistério.
Partiu então de madrugada, ainda o Sol deambulava pelo outro lado do mundo. Misteriosa, a bruma cingia-a delicadamente. Os seus passos rasgavam o silêncio daquela manhã. Seguia o seu instinto que dizia: Vem, vem por aqui… Ouvia o canto de um pássaro que parecia acompanhá-la, invisível, como um anjo.
Em breve estaria diante do bosque dos salgueiros debruçados sobre o rio. As águas iam tranquilas, e as árvores, rendidas ao mistério dessa mansidão. As folhas avermelhadas do Outono juncavam o caminho que ela devia seguir. Numa pedra, logo à entrada, liam-se estas palavras: Neste bosque venera-se Matsuo Bashô, e com ele a Poesia.
Matsuo Bashô. O poeta japonês.
…
Compreendia agora o que lhe disseram quanto ao caminhar em direcção ao Paraíso, seguindo o caminho da Poesia.
Na primeira árvore, o primeiro poema:
«
Depressa se vai a Primavera
choram os pássaros e há lágrimas
nos olhos dos peixes»
Assim teve início esta viagem. Em cada árvore um poema de Bashô. Palavras simples, frases breves, conceitos profundos. Sim, na verdade, ela encontrava-se no Paraíso.
«
Quietude:
as cigarras escutam
o canto das rochas»
Deixou-se então conduzir pelas palavras. Seguiu o curso do rio. Leu todos os poemas de Bashô, gravados nos salgueiros debruçados sobre as águas. O trilho terminava na montanha, junto à nascente do rio. Contudo, o que os seus olhos viram, jamais poderia ser revelado.
Como retribuiria ela a Bashô esta viagem pelo interior do Paraíso dele?
Decidiu então gravar na pedra, cravada na falda da montanha, um tributo a todos os poetas, ao jeito de Bashô:
Antes do mar, as águas (1)
antes das águas, o sopro
antes do sopro, o ser dos seres…
in «
Os Dias de José... -
E Outras Narrativas» © Josefina Maller (a aguardar publicação)
(1)
Ante mare undae – A causa precede o efeito, o todo provém da reunião das partes (locução latina)
Belo...
ResponderEliminarO caminho da poesia, trilhado pelos grandes mestres ou mestras, nos quais se destaca Matsuo Bashô, tem aqui um contributo valioso da Josefina...
O Ser dos seres...
Antes e além das lágrimas e das águas e sopros...
Diante Dele, ou na Sua Imensidade que nos engloba, nos curvamos e dardejamos os raios e poesias do nosso coração agradecido...
E assim diarimante, saibamos avançar comunicando ou comungando na poesia, na partilha do que o outro pode compreender ou precisar, na unidade espiritual das consciências mais despertas...
Bons avanços no rio e nos haikus...
Obrigada, Pedro. Os seus comentários são muito belos e fazem bem à alma. E inspiram-nos para outros voos.
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