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sexta-feira, 14 de novembro de 2014

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA

 
 

 
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
 
A mãe disse que carregar água na peneira
 
Era o mesmo que roubar um vento e sair
Correndo com ele para mostrar aos irmãos.
 
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
 
O menino era ligado em despropósitos.
 
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
 
     A mãe reparou que o menino
     gostava mais do vazio
     do que do cheio.
     Falava que os vazios são maiores
     e até infinitos.
 
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira
 
No escrever o menino viu
     que era capaz de ser
     noviça, monge ou mendigo
     ao mesmo tempo.
 
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
 
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda
 
Você vai encher os
vazios com as suas peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus despropósitos.
 
MANOEL DE BARROS

terça-feira, 11 de novembro de 2014

BUCÓLICA

 
 


 A vida é feita de nadas:

 De grandes serras paradas

 À espera de movimento;

 De searas onduladas

 Pelo vento;

 

 De casas de moradia

 Caiadas e com sinais

 De ninhos que outrora havia

 Nos beirais;

 De poeira;

 De sombra de uma figueira;

 De ver esta maravilha:

 Meu Pai a erguer uma videira

 Como uma mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga