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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O CAMINHO...




Não sou pedra

Não sou flor

Nem água

Nem rio...



Não sou árvore

Não sou lago

Nem folha caída

Nem orvalho...



Não sou estrela

Não sou luar

Nem chuva

Nem Sol...



Não sou...!



Mas tenho um caminho

Onde há pedras, flores, águas e rios...

Árvores, lagos, folhas caídas e orvalho...

Estrelas, luar, a chuva e o Sol...



E tenho o vento que me leva

Até àquele infinito

Lá, naquele além,

Onde tudo termina

Para recomeçar...



Texto e fotografia © Josefina Maller

terça-feira, 13 de julho de 2010

CAEM AS SOMBRAS DO ALTO DOS MONTES…



A árvore escuta o vento que, enfunado numa vela feita de trapos, habita num velho veleiro ancorado na margem.


A árvore escuta e cala.
O vento, enfurecido, por uma qualquer razão desconhecida, uiva, ruge, assobia, agita-se e agita as águas límpidas da Lagoa.

Uma garça cor-de-rosa tenta equilibrar-se, com elegância, na margem onde a árvore escuta o vento, e o veleiro aguarda que as águas o libertem.

Apesar de todo este tumulto, uma estranha quietude envolve o lugar.

Escondidos entre a folhagem, que a árvore lança para o chão, uns olhos espreitam. Uns olhos grandes e negros, profundos e melancólicos, que olham a agitação do lugar, com assombro.

A Lagoa é o seu mundo. A sua vida. O seu refúgio. O seu lugar de ser e de estar. Porquê esta metamorfose? Pela primeira vez, o vento, enfunado nas velas rasgadas do veleiro, invade os seus domínios. Sem cerimónia. Sem pedir licença. Com que direito? Nada parece fazer sentido. Há tanto tempo que aquele lugar é só seu! Só seu. E agora terá de o repartir, assim, deste modo tão inesperado e turbulento?

Uma ave misteriosa cruza os céus, e o seu voo reflecte-se nas águas claras e agitadas da Lagoa, nelas flutuando como um vulto fantasmagórico.

Caem as sombras do alto dos montes (1) sobre as pedras silenciosas que habitam este lugar, desde sempre. Aqui, os sonhos são deslumbramentos eternos como o próprio tempo. A estranha ave lança um gorjeio desatinado. Dá voltas e mais voltas ao redor da Lagoa.

Elegantemente, a garça cor-de-rosa continua o seu passeio, na margem, indiferente ao rebuliço do vento. Algo se passa. Mas o quê? O quê?...

Os olhos espreitam. Ainda. A árvore escuta e continua a lançar a sua folhagem avermelhada para o chão. O silêncio, que até então ali habitava também, é rasgado pelo uivo do vento. As sombras agitam-se. De onde virão as sombras? O que as agitará? O medo? O medo é redondo e vem vindo num turbilhão ilusório. A árvore, que escuta, não fala mas sente. Está triste. Nota-se a sua tristeza na ramagem que se verga até ao chão, onde continuam a espreitar aqueles olhos grandes e negros, profundos e melancólicos.

Subitamente, o vento emudece. A ave misteriosa abandona a Lagoa. A garça cor-de-rosa estende as suas asas magníficas, e parte também...

É então que o Outono se mostra, esplendoroso.

E são os olhos do entardecer que o acolhem, com melancolia…



(1) Cadunt altis de montibus umbrae – Pôs-se o Sol; é noite; anoitece (locução latina).

in «OS DIAS DE JOSÉ – e Outras Narrativas» © Josefina Maller (a aguardar publicação)