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quarta-feira, 26 de março de 2014

ÁRVORE, CUJO POMO, BELO E BRANDO…

 


 Árvore, cujo pomo, belo e brando,

 natureza de leite e sangue pinta,

 onde a pureza, de vergonha tinta,

 está virgíneas faces imitando;

 

 Nunca da ira e do vento, que arrancando

 os troncos vão, o teu injúria sinta;

 nem por malícia de ar te seja extinta

 a cor, que está teu fruito debuxando.

 

 Que pois me emprestas doce e idóneo abrigo

 a meu contentamento, e favoreces

 com teu suave cheiro minha glória,

 

 Se não te celebrar como mereces,

 cantando-te, sequer farei contigo

 doce, nos casos tristes, a memória.

Luís Vaz de Camões

Foto © JOSEFINA MALLER

sábado, 22 de março de 2014

O VELHO SÁBIO CHINÊS

 


Há muito tempo, uma menina chinesa chamada Lili casou-se e foi viver com o marido e a sogra. Depois de alguns dias, começou a não se entender com a sogra. As personalidades de ambas eram muito diferentes uma da outra e Lili foi-se irritando com os hábitos da sogra, a qual frequentemente a criticava.

Passaram-se meses e Lili e a sogra discutiam e embirravam cada vez mais. De acordo com a antiga tradição chinesa, a nora tinha que se curvar à sogra e obedecer-lhe em tudo. Lili, já não suportando mais viver nesta situação, decidiu visitar um amigo do seu pai, um velho sábio.

Depois de ouvi-la, ele pegou num pacote de ervas e disse-lhe:

- Vou dar-te várias ervas que irão lentamente envenenar a tua sogra. A cada dois dias põe um pouco destas ervas na comida dela. Mas, para haver a certeza de que ninguém suspeitará de ti quando ela morrer, tu deves ter muito cuidado e agir de forma muito amigável.

Lili ficou muito contente, agradeceu ao sábio e voltou apressada para casa para começar o projecto de matar a sogra. Passaram-se semanas e a cada dois dias Lili servia a comida "especialmente tratada" à sogra.

Ela lembrava-se sempre do que o velho sábio lhe tinha recomendado sobre evitar suspeitas e assim controlou o seu temperamento, obedeceu à sogra e tratou-a como se fosse a sua própria mãe.

Depois de seis meses, toda a casa estava mudada. Lili tinha controlado o seu temperamento e quase nunca se aborrecia.

Nesses seis meses, não tinha tido nenhuma discussão com a sogra, que agora parecia muito mais amável e mais fácil de se lidar. As atitudes da sogra também mudaram e elas passaram a tratar-se como mãe e filha.

Um dia, Lili foi novamente procurar o Sr. Huang para lhe pedir ajuda e disse:

- Querido Sr. Huang, por favor, ajude-me a evitar que o veneno mate a minha sogra! Ela transformou-se numa mulher agradável e eu amo-a como se ela fosse a minha mãe e não quero que ela morra por causa do veneno que eu lhe dei.

O Sr. Huang sorriu e acenando com a cabeça, disse:

- Lili, não precisas preocupar-te. As ervas que eu te dei não eram venenosas mas sim vitaminas especialmente preparadas para melhorar a saúde dela. O veneno estava na tua mente e na tua atitude, mas foi deitado fora e substituído pelo amor que tu lhe passaste a dar a ela.

quarta-feira, 5 de março de 2014

ODE AO GATO

 

Tu e eu temos de permeio
 a rebeldia que desassossega,
 a matéria compulsiva dos sentidos.
 Que ninguém nos dome,
 que ninguém tente
 reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
 pois nós temos fôlegos largos
 de vento e de névoa
 para de novo nos erguermos
 e, sobre o desconsolo dos escombros,
 formarmos o salto
 que leva à glória ou à morte,
 conforme a harmonia dos astros
 e a regra elementar do destino.
José Jorge Letria,
in "Animália Odes aos Bichos"