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segunda-feira, 30 de agosto de 2010
SENTADA ÀBEIRA-RIO NO CHOUPAL...
Sentada à beira-rio no Choupal
Ouvi cantar as águas do Mondego
Cantigas de encantar às mouras belas
Que ali estavam cativas em segredo...
© Josefina Maller
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
O CAMINHO...
Não sou pedra
Não sou flor
Nem água
Nem rio...
Não sou árvore
Não sou lago
Nem folha caída
Nem orvalho...
Não sou estrela
Não sou luar
Nem chuva
Nem Sol...
Não sou...!
Mas tenho um caminho
Onde há pedras, flores, águas e rios...
Árvores, lagos, folhas caídas e orvalho...
Estrelas, luar, a chuva e o Sol...
E tenho o vento que me leva
Até àquele infinito
Lá, naquele além,
Onde tudo termina
Para recomeçar...
Texto e fotografia © Josefina Maller
quarta-feira, 9 de junho de 2010
PRIMEIRO ANDAMENTO...
(OU O DELÍRIO PRIMEIRO DE OSKAR)
Maquinalmente, obedeci àquela ordem, por não ter outra alternativa, ou talvez tivesse simplesmente seguido o instinto que sempre norteou os passos da minha vida, impelindo-me para rumos, por vezes, impensáveis, diria mesmo, surrealistas, por onde me embrenhava, procurando alcançar o indefinível da existência, que sempre tanto me fascinou…
«Vai, segue o caminho do infinito. Nele encontrarás o arbusto-do-lobo, que te abrirá uma porta!» — aquela voz, profunda e poderosa, misteriosa e longínqua, ainda ecoava em mim.
Tudo começou à hora em que os pássaros regressam às árvores e adormecem. Um rugido terrível, oriundo das mais profundas e sombrias trevas, rasgou os meus ouvidos e atordoou todos os meus outros sentidos. Depois, aquela força incorpórea arrastou-me como o vento arrasta as folhas secas das árvores, no Outono, para aquele lugar longe e estranho, selvagem e ermo, onde havia um caminho traçado numa paisagem agreste, de onde a vida se ausentara, e apenas penhascos gigantescos, negros e sinistros, esguios como dedos acusadores, apontados para o alto, habitavam.
O caminho era arenoso. Hostil. Interminável. Medonho na sua nudez. De horizontes inatingíveis e indefinidos. E o vastíssimo deserto, que eram as suas margens, esmagava-me e causava-me uma sensação de subalternidade, como se eu não passasse de um minúsculo verme a rastejar por aquele chão poeirento, aos pés de gigantes implacáveis.
O peso daquele deserto doía-me como se carregasse sobre os ombros todos os grãos de areia de que era feito. Seria o mais árido de todos os desertos, cujas geografias, moldadas, talvez, há milhões de anos, por mãos hábeis e invisíveis, guardavam segredos que poderiam ser desvendados por quem se atrevesse a enfrentá-lo de corpo inteiro. Mas não certamente por mim, não nas minhas circunstâncias: um homem caído em desgraça. Eu, que conhecia quase todo o mundo habitado pelos homens, não sabia de um lugar assim. Ocorreu-me, então, que aqueles ventos enraivecidos que, naquela tarde, varreram a Terra, tivessem, talvez, me arremessado a um outro planeta, deserto e desconhecido, já destruído por outros seres tão desprovidos de bom senso como os povos terrestres.
Provavelmente, aquele deserto já fora um lugar verde, coberto de ciprestes, que vivem eternidades, e de pequenos arbustos, plantas também eternas, que deviam torná-lo apetecível à vida, ainda que a uma vida subterrânea, nocturna, como é próprio das areias. No entanto, à época desta minha desventura, aquele era um verdadeiro lugar de morte, pior ainda, um lugar de uma solidão indizível, daquelas que nos condena a rastejar como vermes, de tanto que nos esmaga. O silêncio cingia-o, como a cobra abraça a sua presa, e era algo extraordinário, rasgado por uns estranhos rumores, que se assemelhavam a gemidos angustiantes, distantes, que até àquele lugar chegavam, disfarçados no hálito sufocante que envolvia o caminho.
Eu por ali caminhava, completamente abandonado à minha desgraça. Seguia um trilho desconhecido, debaixo de um Sol, implacável e libidinoso, que lambia a paisagem com as suas mil e uma línguas de um fogo que lançava sobre a Terra, como um castigo, tornando-a seca, tão seca que os meus passos, ainda que leves, trôpegos e inseguros, deixavam uma nuvem de poeira, à minha passagem, como se por ali tivesse cavalgado um tropel de cavalos assustados. O Sol tinha a outra cor da morte. Era vermelho. Diz-se que a morte é negra. No primeiro instante, talvez, depois vem uma luz extasiante, que nos atrai e nos convida a segui-la sem medo. Contudo, a morte é igualmente vermelha, como o sangue que flúi pelas nossas entranhas. O sangue é vida, é morte. Se corre no seu leito venoso é vida. Coagulado no chão, é morte. Aquele era um Sol rubro, que não cumpria o seu destino: não iluminava, incendiava; não aquecia, queimava; não acariciava, açoitava. Dir-se-ia que a estrela maior de todo o Universo mostrava toda a sua revolta contra um mundo que não soube respeitar a sua energia benévola, por isso, agora, agredia esse mundo, como um castigo, pelos descomedimentos de séculos e séculos a fio.
Seguia aquele caminho desconhecido, projectado, talvez, num tempo de que já se perdera o rasto, perseguido por aquela voz que, desde o instante primeiro da minha desdita, me sussurrava: «Vai, segue o caminho do infinito. Nele encontrarás o arbusto-do-lobo, que te abrirá uma porta»!
E isto era tudo o que sabia. Deslocava-me com lentidão, oscilando, desengonçadamente, ossos contra ossos, num desajeito próprio da minha condição invulgar, até porque não era fácil arrastar os pés descarnados, num caminho feito de uma mistura de areia e pedra triturada, rudemente batido por um tempo eterno, imaginava eu, e ressequido pela total ausência de humidade.
Excerto do livro «A HORA DO LOBO» © Josefina Maller (a aguardar publicação)
Origem da imagem: olhares.aeiou.pt/deserto_do_saara_foto898167.html
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