Era então o Mundo um lugar de desencanto, macerado pela dor de uma agonia, lenta e irremediável. Devorado por séculos de uma ignorância e uma incúria inconcebíveis. Inaudível, nos seus lamentos mais lancinantes. Um lugar onde o cantar da cotovia soava a melodia fúnebre.
Era o tempo de todos os tempos. Infinito. Imutável. Inexorável...
Subitamente, os céus rasgaram-se num esgar de fúria.
As nuvens foram, num ápice, sugadas pela boca imensa de um tufão e, por todo o Planeta, soou um rugido medonho, saído de entranhas, longínquas e desconhecidas, como se alguém estivesse a assassinar o Universo, desferindo-lhe golpes de uma inacreditável crueldade, e o Universo, trespassado pela dor súbita, provocada por essa desordem, não pôde conter o seu grito. Os ventos uivaram com toda a raiva que os vinha sufocando desde os tempos em que a Mãe Natureza começou a sentir os primeiros sintomas de uma doença grave, que veio a demonstrar ser altamente contagiosa e que foi se agravando à medida em que algo a que se chamou progresso ia avançando. Os uivos do vento ecoaram, então, por todo o Universo, como um grito de libertação.
Era então o caos. O caos sublime.
Tudo aconteceu inesperadamente.
As carnes de todos os seres vivos começaram a cair como chuva fétida. Homens e mulheres, velhos e novos foram atacados pelo que se admite ter sido o mais surpreendente tédio do Universo. Fracos e fortes, bons e maus, todos os animais vertebrados e invertebrados, caminhantes e rastejantes sobre a Terra evolaram-se, então, impelidos por uma ventania endoidecida. Toda a vegetação murchou e as águas das fontes, dos rios, dos lagos e dos oceanos secaram, tal o poder flamífero do Sol que, saturado, cingiu o planeta com um deslumbrante manto de fogo. E esse fogo era tudo o que restava do caos.
Veio depois o vazio.
O nada, na sua mais absoluta significância. O nada, mas não as trevas. Era uma luz intensa que fulgurava. Tão ofuscante que causaria pasmo e aquele terror primordial do desconhecido, se alguém ficasse para contemplá-la.
Iniciara-se revolta dos elementos. Ferozes. Saturados de raivas acumuladas, há longos, longos séculos, pelos maus-tratos que lhes foram infligidos. Desprotegido, o Planeta ficou então inteiramente à mercê de um Sol insensível, único elemento dominante no caos em que o Universo se transformou, o qual envolveu a Terra num abraço funesto, ao lançar os seus raios ultravioletas, como flechas envenenadas, sobre todos os povos.
Todavia, pela Terra, deambulava o esqueleto de um homem que, misteriosamente, sobrevivera ao tédio do Universo. Um ser sonâmbulo. Amostra de um caos absoluto. Simulacro de sombra ou vivo-morto, sem condição para repousar, em paz, o corpo descarnado. Por isso, aguardava, expectante, o desfecho desta rebelião dos elementos, e um destino singular e inimaginável, que o aguardava, lá, num lugar secreto, onde a vida fluía como um milagre…
in «A HORA DO LOBO» © de Josefina Maller (a aguardar publicação)
A infinita beleza dos nossos medos sonâmbulos...
ResponderEliminar"Grandes coisas acontecerão..."
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...mas se apenas uma gota de água restar...
"o programa segue dentro de momentos"...
«O programa segue dentro de momentos»...
ResponderEliminar... E ele estará a navegar, nessa última gota de água que restar...
E apesar de se lançar ao abismo, por ordem do Lobo, conseguirá dançar no vazio, e recuperar a lucidez que o levará de regresso ao seu mundo...
Quiçá surja então aquele (aquela?) que ainda não é...
ResponderEliminarPoucos sabemos quantos os seres ainda invisíveis prontos a saltar das nossas entranhas.
Pouco mais sabemos além do que nos mostra a superfície inerte do lago, se e quando Morfeu distrai Éolo.
Saberei ao menos reconhecer, se alguma vez o encontrar, o astro desconhecido em que sou?
Anotações de viagem, meros rascunhos para um eu possível.