© Todos os direitos reservados

quinta-feira, 4 de março de 2010

O RIACHO...



Rajid era sensível como as asas de uma borboleta. Bravio, porém delicado como uma flor, quando era preciso.

Naquele dia, ao fim da tarde, atravessou a planície trotando cuidadosamente, para não magoar as ervinhas e as flores.

O Sol descia lentamente, em direcção às montanhas, entre as quais em breve se afundaria. Por enquanto, enternecia a paisagem, tornando-a levemente rosada, e mirava-se nas águas de um riacho que serpenteava, feliz, por entre as serras.

Rajid aproximou-se do vale e pode então contemplar de mais perto o riacho. Era o seu primeiro encontro com a fonte da vida.

Abeirou-se suavemente daquelas águas cantantes, que corriam sem pressa e onde a folhagem das margens se reflectiam, esboçando um outro bosque – o bosque aquático. O cavalo selvagem debruçou-se para nelas saciar a sua sede, e pelo interior do seu corpo deslizaram os delicados fios da luz do Sol.

Foi então que, pela primeira vez, Rajid viu reflectida a sua própria imagem naquele espelho natural. A sua silhueta ali estava: negra, bela, primorosamente esculpida.

Rajid sorriu para o riacho. E enfeitiçou-o com o seu sorriso. As águas tornaram-se mais límpidas e transparentes, e Rajid mirou-se nelas, longamente. Olhou o seu próprio olhar, numa tentativa de indagar o seu íntimo, e, em verdadeiro delírio, descobriu a essência do seu ser.

O riacho, enfeitiçado pela beleza negra de Rajid, fez cantar as suas águas mais baixinho, para não perturbar o êxtase do momento, e prolongou-o infinitamente...


in «História de um Cavalo Selvagem» © Josefina Maller (a aguardar publicação)

1 comentário:

  1. Eis um conto leve, terno, natural, humilde e ecológico, mas desembocando num grande desafio: o de olharmos ou penetrarmos pelo nosso olhar e conseguirmos chegar à nossa essência.
    Esta prática pode ser um iniciação, seja no encontro com a nossa sombra, seja com algum raio do espírito em nós.
    Daí que a Josefina, bem sintonizada com esta delicada tarefa, descubra que o sol prolonga infinitamente o extase...
    Claro, demandamos essa corrente que ora emerge ora desaparece, e interrogamo-nos em que nível subtil do grande rio a beatífica unidade canta nas pedras vivas que lhe conseguem fazer margens?
    Saibamos então cavalgar sem ferir e seguindo os trilhos montanhosos que levam ao Sol da Verdade...

    ResponderEliminar