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sábado, 16 de janeiro de 2010

AS HISTÓRIAS MALUCAS DE TÓZEZINHO DE ALENCAR

Chamam malucas às minhas histórias. Mas deixem falar quem tem língua comprida. Eu cá não me ralo. Não vim criticar isto ou aquilo. Pediram-me apenas para contar histórias cá à minha maneira. E eu vou contar uma, e acreditem ou não acreditem, ela é verdadeira, pois passou-se bem à frente do meu nariz, lá para as bandas de onde eu moro, no Largo do Chafariz.
Esta é a história do cão mandrião, que passava o dia a fingir que dormia, à beira da Loja do Salsicheiro.

Ai que trapaceiro!
Com um olho dormitava. Com o outro, ele espreitava. E o Salsicheiro, volta e meia, e meia volta, tropeçava no rabo do cão e este gania, gania até fazer doer o coração. E, com feitiço nos olhos, o cão olhava o Salsicheiro como quem diz:

— Sou tão infeliz! Pisaste-me o rabo, ó seu diabo! Hás-de ir pró inferno!

E o Salsicheiro, já nisto vezeiro, dizia furioso:

— Está bem, está bem, eu cá me governo! Mas pára com isso!
E o espertalhão do cão ganhava um chouriço.

E todos os dias, isto acontecia. E o Salsicheiro não se apercebia de que o cão mandrião este truque fazia, porque já sabia do seu fraco eterno: o medo que tinha de ir para o inferno.




E assim, todos os dias, de feitiço em feitiço, o espertalhão do cão mandrião ganhava um chouriço.




4 comentários:

  1. Um cão bem espertalhão, quase a tornar-se como muitos outros seres, para o nosso caso humanos, que exploram os medos, inseguranças e ignorâncias dos outros, para venderem gato por lebre, acessos a purgatórios por Paraísos, ou para viverem simplesmente como mandriões coitadinhos...
    Algo me surpreendeu no conto: o Largo do Calhariz, local onde trabalho de quando em quando em comentários a livros para leilão na Livraria Antiquária do Calhariz...
    Foi apenas a sua imaginação ou a do cão, ou o local, por coincidência bem histórico pois já no século XVI ali funcionava a famosa tipografia dos Craesbeeck, faz parte das suas errâncias galataicas reais?

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  2. Penso que o meu amigo não leu correctamente o nome do Largo, que na minha história é Largo do Chafariz. Não do Calhariz, que aliás não conheço. Mas uma vez que falou nele, fiquei com curiosidade em conhecê-lo.
    Continuo agradecida pelas suas deambulações por esta minha Galatea.

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  3. Mea culpa...
    Quando vier a Lisboa, previna-me que lhe servirei de guia nessa zona histórica que do Bairro Alto desce aos socalcos até às margens do aurífero Tejo... hoje infelizmente cada vez mais tapadas e desfiguradas pelos interesses das classes que se governam da coisa publica...
    Mesmo assim, talvez, com graça afortunada ou galataicamente, possamos sentir os Zéfiros ou as Tágides que o Luís de Camões decerto viu no seu olho único...

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  4. Sim, fiquei interessada em conhecer o Largo do Calhariz.Um dia, quando for a Lisboa...

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