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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

RAJID...

Rajid era um cavalo selvagem. A mais bela e perfeita entre todas as criaturas que viveram nos bosques virgens, no início dos tempos.

Esta é a sua história. Uma história que nos fala do equilíbrio que existia na Natureza, na sua forma mais pura, e como ele, Rajid, um ser selvagem mas sensível, ajudou a manter esse equilíbrio até ao dia em que toda a harmonia – a própria essência da vida dos primeiros tempos – se perdeu com a chegada do homem, que fez emudecer a Natureza.

Apenas Rajid continuou eternamente selvagem, embora prisioneiro da sua própria liberdade, num mundo confinado com um vale profundo e inacessível, envolto em névoas perpétuas. Um pedacinho de mundo que Rajid conquistou ao homem e fez somente seu.


No início dos tempos nada existia. Era o vácuo.
          


Desejando Deus emergir das trevas e do silêncio que o rodeavam, criou a luminescência, e sob essa claridade fez brotar a vida e deu infinitas formas à sua ilimitada imaginação.
Foi então que do negro espaço celeste nasceu uma esfera de fogo, outra de prata e uma infinidade de esferas menores, tão luminosas e brilhantes como o mais puro dos diamantes. À primeira esfera o criador deu o nome de Sol, à segunda chamou Lua, e às restantes, estrelas.
O Sol reinaria de dia. A Lua e as estrelas brilhariam no escuro da noite.
E o universo iluminou-se, ora de uma luz irradiante, ora de uma luz delicada.
Aos olhos de Deus, porém, o que acabara de criar era demasiado insignificante, e decidiu então espalhar pelo espaço, astros, planetas, cometas, vias lácteas e outros sistemas solares. E o universo povoou-se de pequenas e grandes esferas. Umas mais cintilantes do que outras, mas todas misteriosas e belas. Contudo, pensou Deus, de que adiantava ter criado todo aquele imensurável universo se nele não palpitava a vida? Foi então que, num rasgo de criação, Deus escolheu um planeta entre os planetas – a Terra – e nele fez jorrar infinitas nascentes de água.

E a água foi a fonte da vida.

Sobre a Terra irromperam oceanos, rios, lagos, fontes, riachos e pântanos, e para que o planeta não ficasse todo coberto de água, Deus fez erguer montanhas para suster as correntes, e espalhou belas planícies e vales por toda aquela natureza que nascia.
Lentamente, a imaginação do Criador foi tomando mil e uma outras formas. Da terra brotaram ervas, flores e árvores com sementes para que se multiplicassem e não mais deixassem de crescer. E assim surgiram os prados verdes. Os jardins floriram. Os bosques e as florestas povoaram-se de folhagem viçosa. E o planeta encheu-se de beleza.
O silêncio, todavia, continuava profundo e perturbador. Foi então que a uma ordem de Deus uma leve brisa começou a soprar, fazendo correr as águas e sussurrar as flores e as ervas e a ramagem das árvores. E assim nasceram também as ondas do mar. E os prados, jardins e florestas encheram-se de uma melodia afectuosa, quase imperceptível, que transformou o silêncio num delicado murmúrio.
A obra de Deus, contudo, estava ainda incompleta.

Faltavam-lhe algumas criaturas. Deus ordenou, então, que as águas produzissem seres vivos. Que pássaros cruzassem o espaço. Que répteis rastejassem na terra, e que pequenos e grandes mamíferos proliferassem por todo o planeta.
E nos mares, rios e lagos surgiram peixes de várias cores e tamanhos. O espaço povoou-se de pequenos e grandes pássaros, e a Terra encheu-se de animais de muitas espécies.

Todos os lugares foram orvalhados com vida: as águas, a terra e o espaço. Já não havia trevas, nem silêncio. O mundo inundou-se de cânticos e de luz, mas faltava ainda a cor. Então, uma vez mais, o Criador, numa pincelada de mestre, encheu a sua criação das mais variadas tonalidades: o céu seria de um azul que se reflectiria nas águas; a folhagem deveria ser inevitavelmente verde, e para as flores todas as cores.
E aos cânticos e à luz juntou-se agora uma infinidade de tons, que encheram a Natureza de um impressionante colorido. E a Natureza, porque abrigava em si, todas as sementes, seria a Grande Mãe de todos os seres animados e inanimados, que daí em diante passariam a coexistir pacificamente.
Na última madrugada, aquela em que encerraria o acto da criação, Deus subiu à mais alta das montanhas e contemplou a sua obra, no entanto, ainda inacabada. Faltava-lhe criar um ser que, pela sua beleza, inteligência e conhecimento dos segredos do Universo, sublimasse aquele paraíso, acabado de nascer.
Foi então que, a um sopro de Deus, uma silhueta negra, tão negra como as trevas que existiam no início dos tempos, começou a desenhar-se entre o verde da planície.

Era Rajid – o cavalo selvagem – que nascia, como um raio de aurora, no jardim imperecível de Deus...

* Pintura de Argina Seixas

in «História de um Cavalo Selvagem» © Josefina Maller (a aguardar publicação)


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