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sexta-feira, 3 de junho de 2011

O SONHO QUE NÃO CHEGOU A SER...



Era uma vez uma jovem que ao deixar Coimbra levou com ela um diploma e um sonho: descobrir ruínas do seu país, e dá-las a conhecer ao mundo. Mas levou também um amigo: o seu inseparável violão; e um instrumento: a sua voz (que viria a ser-lhe, aliás, muito útil).

O sonho desfez-se, logo à nascença, porque no nosso país, como sabes, as ruínas sempre existiram. Trata-se de um velho país, porém, mal governado por homens para quem as ruínas nada valem. Para quê desenterrá-las? Além disso, o dinheiro não chega para tudo. É preciso esbanjá-lo com o que está à superfície. Que interessa o passado? Que interessam as ruínas?

Logo que o meu sonho de ser arqueóloga se desfez com aquele «não é possível» que de Coimbra veio, para meu desespero, tive de pensar num modo de sobreviver. Comecei a cantar. Nas ruas, claro, em troca de algumas moedas, que iam caindo numa latinha de chá, muito florida, que eu havia um dia encontrado num caixote de lixo. Um modo de vida como outro qualquer.

 – Artista de rua! Ao que chegaste, minha amiga! Mas vá, continua.

 Voltara à grande cidade, onde já vivera antes.

Um dia... amanhecia. Um formigueiro humano de leiteiros, padeiros, lixeiros, mercadores, ardinas, gente da mais variada, movimentava-se pelas ruas, ainda meio adormecidas. O sol despontava por entre os altos prédios, que uma leve neblina fazia parecerem fantasmas.

 Era aquela a minha hora predilecta de passear. Noutras ocasiões, era à tardinha, quando o sol brinca às escondidas com o mar.

Eu caminhava descalça, envergando uma das minhas velhas túnicas floridas. Lembras-te?

– Como podia esquecer? Eras a única que as usavas.

Seguia sem rumo como uma sonâmbula, pelas ruas semi-desertas, levando comigo o meu violão. Até que cheguei a uma larga avenida. Que direcção tomaria? Talvez a do rio. Algures por ali devia ficar uma casa de fado que outrora pertencera a um amigo e onde eu costumava cantar as minhas baladas, quando vinha à cidade. Como era bom rever lugares já há muito deixados! O tempo passa, mudam-se as coisas, os lugares, as pessoas, mas as recordações permanecem imutáveis. A casa de fado lá estava, mas já não era a mesma. E que importava isso? Que importa a diferença das coisas quando elas não mais nos pertencem?...

 in «Cartas a Nany Blue» (por publicar)

(Foto: Josefina Maller no tempo em que o canto fazia parte da sua vida)


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