Caminhava no escuro como um cego.
A rua era comprida. Demasiado
estreita. Viscosa. Parecia até habitada por morcegos, que gritavam quando
ouviam os seus passos, secos, a agredir as pedras, molhadas pelas brumas que
por ali se enredavam. Não havia Lua. Não havia estrelas. Não havia sequer uma
luz acesa. Todas as janelas das casas estavam fechadas. Pelas frinchas
espreitava a escuridão.
Ela procurava a Voz. Uma velha,
muito velha, dissera-lhe para seguir por aquela rua. Aí encontraria,
certamente, essa Voz. Claro que não era uma voz qualquer. Mas porquê numa rua
tão escura, tão estreita, tão viscosa, habitada por morcegos, que gritavam ao
ouvirem os seus passos?
Continuou a caminhar como se
flutuasse. Não via absolutamente nada. Não, ela não sentia medo. A sensação era
outra. Era como se o seu próximo passo fosse lançá-la num abismo. Por isso,
caminhava com cuidado. Continuava a ouvir os gritos dos morcegos, mas não os
via. Talvez nem fossem morcegos. O que sabia ela dos seres noctívagos? Nada.
Não sabia nada. Absolutamente nada.
E o que era ou de quem era a Voz
que ela procurava? Também não sabia. Então o que fazia ali? Questionou-se. Na
verdade, precisava de ouvir a Voz. Foi o que a velha, muito velha lhe
aconselhara. E apenas naquela rua, comprida, estreita e viscosa, a encontraria.
De súbito, um cântico semelhante
àquele que os pescadores dizem ser de sereias que vagueiam no mar,
despertou-lhe os sentidos. Um cântico que nos atrai para um determinado lugar.
Que nos impele. Que nos seduz. Que nos faz seguir um caminho e não outro. Seria
essa a Voz que ela deveria ouvir? Uma Voz que habitava a escuridão?
Cada um dos seus passos mais a
aproximava desse cântico. Só voz. Sem palavras. Como se fosse um grito bradado
em forma de canto, para seduzir uma alma, perdida nas trevas, e mostrar-lhe um
caminho. Algo que existe para embriagar a consciência. Percorreu mais alguns
metros e viu-se diante de uma porta entreaberta, de onde saía uma luz ténue e
tremente. Ao aproximar-se da porta, ouviu nitidamente aquele cântico.
Contudo, logo que colocou o pé na
soleira dessa porta, fez-se um breve silêncio, e logo uma voz tonitruante soou
lá de dentro, redizendo como um eco: o
abismo atrai o abismo[1],
o abismo atrai o abismo, o abismo atrai o abismo…
Só então ela se apercebeu de que
deveria regressar, urgentemente, ao seu mundo iluminado…
[1]
Abyssus, abyssum invocat – Asneira puxa asneira (Salmo de David).
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