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— Eu sei, Oskar Kapriolo – recomeçou o Lobo – Sei o que
sentes. Ouves-me falar e entendes-me, mas não podes responder. – (O Lobo
parecia adivinhar-me os pensamentos). – Eu sei o que isso é. Já experimentei
essa impossibilidade. Eu e todos os outros animais, meus companheiros, que não
foram dotados do dom da palavra. As palavras, Oskar Kapriolo, não te esqueças
nunca, as palavras são mágicas, reflectem a superioridade de um homem, em
relação a um lagarto. Porém, tal superioridade só será válida se fizer parceria
com o saber benéfico, para que o homem possa resgatar o lagarto da lama que o
sufoca, ou a mosca da prisão que uma janela fechada representa.
As palavras, Oskar Kapriolo, neste momento, permitem-me
ser superior a ti e, ao mesmo tempo, sentir compaixão pelo teu desespero, pela
impossibilidade de não poderes perguntar-me tudo o que te atormenta.
Contudo, quero que saibas que não usarei esta minha
capacidade para te esmagar, como o homem esmagaria o lagarto preso na lama, ou
a mosca diante de uma janela fechada. Porque eu sou o Lobo. Não o lobo. O lobo
feroz. O lobo mau, das histórias que contam às crianças humanas. Não o lobo do
aforismo de Plauto, homo homini lupus – o homem é o lobo do homem, em alusão à
crueldade com que os homens se prejudicam mutuamente! Que ideia mais
desacertada! Os animais que os homens consideram irracionais, na verdade não o
são. Sabias? – (sim, eu sabia, e ele também sabia que eu sabia. Mas como
dizer-lhe? Acenei com a cabeça.) – Apenas não lhes foi permitido a dádiva da palavra,
por isso, nunca puderam defender os seus pontos de vista, os seus direitos, as
suas angústias, como criaturas vivas, habitantes deste Planeta, que não
pertence apenas aos homens, como tão bem sabes.
E no entanto, sempre ouvimos e sofremos, acomodados, as
torturas, as calúnias, os absurdos, as crueldades, os impropérios a que os
homens, na sua mais bisonha ignorância, nos sujeitam. Consideram-nos seres
inferiores, animais que se deslocam sobre quatro patas. Eles não! Gabam-se de
se deslocarem sobre duas pernas. Mas também as galinhas se deslocam sobre duas
pernas e, nem por isso, são criaturas superiores! É verdade que não somos
capazes de nos expressarmos com palavras, mas comunicamos através dos nossos
olhos e de sons que dizem tudo: dizem da nossa alegria, mas também do nosso
desespero. Dos nossos sentimentos. Dos nossos sofrimentos. Contudo, ninguém os
entende como tal.
Porém, tu, Oskar Kapriolo, tu és um dentre aqueles
Homens que intuem estas coisas, que sabem interpretar a nossa linguagem e que
conhecem, igualmente, o sentido cósmico da vida. Sabes ler nos nossos olhos
que, em rigor, sempre disseram tudo, porque nada há de mais eloquente do que os
olhos de um animal, para dizer dos seus desejos, das suas alegrias, das suas
frustrações, do seu sofrimento, da sua dor, sem precisar de palavras. E até as
pedras, consideradas por tantos outros homens, coisas sem alma, tu veneras como
seres que fazem parte do Universo, ainda que seres inanimados. Amas as pedras e
as montanhas, como amas as flores e as árvores, como amas os pequenos lagartos
verdes que se aquecem ao sol, à beira dos rios. Sabes respeitar todas as
criaturas, porque intuis a génese da criação.
Afirmas que o homem é apenas uma entre milhares de
outras criaturas. E dizes bem. Consideras que todos os seres vivos são seres
animados, logo, com ânimo, que é o mesmo que alma. Tomás de Aquino dizia que a
alma de um animal não participa num ser eterno, porque nos animais não
encontramos qualquer aspiração à eternidade. O que sabia Tomás de Aquino do
pensamento dos animais? Nada. Por isso, cometeu um grande erro ao dizer o que
disse.
Tu falas da alma dos animais, da alma das plantas como
da tua própria alma. Dizes que Deus criou o mundo para que o homem pudesse
partilhá-lo, em pleno pé de igualdade, com as restantes criaturas. Eu sei. Por
mais do que uma vez, tentaste transmitir aos homens essa tua descoberta: a
sensibilidade que existe em todos os seres animados e o mistério inerente ao
silêncio dos seres inanimados. Contudo, uns, simplesmente, ignoram-te, e outros
temem aceitar as tuas certezas intuídas. Consideram-te um nefelibata, flutuando
num mundo que inventaste só para ti. Por isso, és prezado por poucos, e tão
odiado por tantos.
in «A HORA DO LOBO» © Josefina Maller
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