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terça-feira, 21 de setembro de 2010

QUANDO EU MORRER, AS ROSAS CONTINUARÃO A FLORIR…




Arrastou-se pela vida até ao derradeiro dia.


Viveu cada minuto da sua existência tão intensamente como se fosse o último. Tinha um jeito peculiar de contemplar o mundo. Via-o através de um olhar arrebatado, carregado de melancolia. Era uma criatura silenciosa, afável, solitária. Amava as árvores, as flores, particularmente as rosas, e os animais com um amor grande. Imensurável.

Amava, de igual modo, também as palavras, a causa maior de todas as suas mágoas, de todos os seus desencantos, de todas as suas frustrações, de todos os seus desencontros, de todos os seus desamores, porque a palavra da mulher não palpita, diziam-lhe os homens, seus ímpares na escrita que, na verdade, não sabem, nem nunca souberam coisa alguma acerca do universo da mulher, tão repleto de imponderáveis.

Por vezes, sentava-se num rochedo, à beira-mar e, embalada pelo sussurro das águas, escrevia versos, que lançava às ondas, para que estas os arrastassem até lonjuras inatingíveis. Versos que só a ela diziam respeito, e que com ninguém mais partilhava, à excepção do grande oceano.

Quando não se sentia inspirada, distraía-se a escutar o crocitar das gaivotas, que lhe contavam segredos do mar: lá no fundo, havia um mundo, e nesse mundo vivia um príncipe solitário, num palácio de vidro, onde o destino o mantinha prisioneiro, há séculos, esperando que uma bela donzela viesse libertá-lo. Poderia ser ela, essa donzela libertadora, se fosse bela, ou se soubesse como chegar a esse palácio submerso. Como não era bela e também nada sabia dessas profundezas, limitava-se a lançar às águas os seus sonhos, os seus versos e cantava baixinho enternecedoras melodias de amor, na esperança de que esses sonhos, esses versos e esses cânticos chegassem àquele mundo que havia lá no fundo, e pudesse libertar o príncipe solitário.

O seu quotidiano era feito de muitos pequenos nadas. Coisas que para os outros eram insignificantes, mas que para ela eram o cerne da sua existência. E em tudo o que fazia, as palavras estavam presentes. Palavras que diziam do bem, do bom e do belo que a vida encerra, e poucos eram os que sabiam desbravá-las. Tinha um sorriso afectuoso, que incorporava às palavras e distribuía pelas ruas como se de panfletos se tratasse.

Contudo, ninguém estava interessado nas suas palavras. No seu sorriso complacente. O mundo tornara-se um lugar de urgências, cheio de gente vazia e apressada, onde viver era caminhar para o nada, passo a passo.

Ela arrastava-se por esse mundo esvaziado, carregando todas as suas palavras às costas, não como se carregasse um fardo, mas como se transportasse o destino do próprio mundo.

Até que um dia, a melancolia que sempre a acompanhou, degenerou em tristeza, e a tristeza se não é aplacada, torna-se fatal.

Quando a encontraram em casa, sem vida, sentada na sua cadeira de verga, junto à roseira que guardou tantos dos seus segredos, entre as suas mãos jazia um caderninho de capa amarela, onde estavam escritas aquelas que foram as últimas palavras que deixou ao mundo, em jeito de despedida, e que, afinal, resumiam a sua ideia de eternidade: Quando eu morrer, as rosas continuarão a florir…

in «Os Dias de José... e outras narrativas» © Josefina Maller (a aguardar publicação)
Foto © Josefina.Maller

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A BELEZA DAS COISAS…


Um monte

As verdes ervas do monte...
Pequenos arbustos crescem
aqui e ali...

Uma árvore florida
Ergue-se solitária
No cimo do monte...

As aves
Sobrevoam em liberdade
Os arbustos
A árvore florida
E o monte...

Nuvens deslizam
Suavemente no céu tão claro
E o Sol espreita mais fulgurante
Do que nunca
Este cenário simples
Onde simplesmente
A beleza
Acontece…


Texto e Foto © Josefina Maller

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

O FAUNO...



Não esperei que a Lua me contasse os segredos da noite...


Não esperei que as estrelas cantassem serenatas ao luar...

Não esperei que os pirilampos incendiassem o escuro...

Não esperei que as aves nocturnas suspirassem de amor...

Não esperei que Vénus se apagasse...

Não esperei que viessem os ventos açoitar as árvores...

Não esperei que as águas dos rios transbordassem...

Não esperei que as nuvens passassem ligeiras...

Não esperei...

Já vou a caminho...

Fauno, protector dos bosques, das águas e das montanhas
pressentiu a minha ânsia de infinito e veio propor que o seguisse...

Já vou a caminho...

© Josefina Maller

Web site da imagem: pinocchio.it
Estátua de Fauno, no Giardino Garzoni (Itália)